Saiba quais são as causas da crise no fornecimento, os impactos na economia e as possíveis soluções para o problema
Duas décadas após a “Crise do Apagão”, o Brasil volta a sofrer com a ameaça de corte no fornecimento de energia elétrica. Como a maior fonte energética do país (cerca de dois terços) vem de usinas hidrelétricas, o baixo nível dos reservatórios, lagos e represas compromete o abastecimento em todas as regiões. Isso acontece quando, dentre outros desafios, o país enfrenta períodos de seca prolongados.
2020 já foi um ano difícil no setor devido aos períodos de estiagem. Com o cenário se repetindo em 2021, as estimativas apontam que em novembro, considerado o fim do período seco, os reservatórios do Sudeste e Centro Oeste estarão com apenas 7,9% da capacidade total de água. Os lagos muito secos inviabilizam a produção de energia, o que faz surgir a necessidade da utilização de outras fontes da matriz energética do país.
No início de junho, o Ministério de Minas e Energia divulgou uma portaria que prevê que usinas termelétricas sem contrato possam ser acionadas para auxiliar na produção e fornecimento. Usinas a óleo ou biomassa também poderão ser utilizadas neste processo. Entretanto, existem variáveis que podem afetar o planejamento elétrico, sendo a disponibilidade dessas usinas complementares e a infraestrutura de distribuição, as principais.
O custo das fontes alternativas de energia hoje
Na busca por soluções mais sustentáveis e com eficiência de custos para a produção de energia no Brasil, o Projeto SINAPSE estuda e promove o planejamento eletroenergético sustentável, por meio da inserção ambiental no desenvolvimento da expansão do sistema elétrico que, apesar de ter sido beneficiado por diversos investimentos ao longo dos últimos anos, ainda apresenta dimensões e alcance insuficientes para suprir as necessidades da população e da atividade industrial, principalmente por ainda ser dependente de fontes hidrelétricas.
“As mudanças climáticas vão afetar todas as fontes renováveis (de energia), mas talvez na hidrelétrica, elas tenham um impacto mais intenso”, explica o professor Marciano Morozowski Filho, doutor em Engenharia de Sistemas e Computação e coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do projeto SINAPSE, apontando para o problema da variação climática a curto e longo prazos.
O resultado pesa no bolso dos brasileiros. Fontes de energia alternativas custam mais, o que se reflete quando o cidadão vai pagar a conta de luz. De uma média de R$ 100,00 por MWh (megawatt-hora), o preço pode chegar a até R$ 600,00 por MWh.
As consequências para a indústria e a economia
A crise no suprimento afeta não apenas o consumidor final com relação à conta de luz, mas atinge o desenvolvimento da indústria como um todo. Os custos elevados refletem em gastos maiores de produção de bens de consumo, encarecendo o produto final. O que, no atual cenário de inflação dos preços, causa um efeito “bola de neve” nos diversos setores.
Mas o custo não é o único problema, a escassez de energia pode comprometer a produção da indústria num trimestre considerado essencial para a economia, já que, geralmente, é entre setembro e dezembro que ocorre o maior pico de consumo, graças às festividades de fim de ano, como Natal e Ano Novo.
Neste contexto, a instabilidade no fornecimento e a ameaça de novos “apagões”, caso esses ocorram, pode levar à queda de um ponto percentual no ritmo da retomada, que estava previsto para um crescimento de 6%.
Com números tímidos alcançados nos últimos dois trimestres (pouco mais de 1%, após meses seguidos de encolhimento), a expectativa de continuidade na retomada do PIB é seriamente comprometida diante da incerteza para o setor industrial, responsável por 18,5% (IBGE) da atividade econômica no país e grande parte dos investimentos em desenvolvimento.
As soluções para uma matriz energética mais estável e sustentável
Segundo estudo encomendado pelo Reino Unido, por meio do Global Opportunity Fund, a matriz energética brasileira é bastante vulnerável diante do crescente aquecimento global, ainda que o país disponha de recursos sustentáveis, como a biomassa extraída do bagaço de cana ou a energia eólica, por exemplo.
“O que o estudo chama a atenção é de que não adianta pensar mais em desenvolvimento do Brasil ou apostar em certas regiões se você não começar a olhar a vulnerabilidade delas às mudanças climáticas”, explica Roberto Schaeffer, um dos líderes do estudo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
O estudo aponta os projetos hidrelétricos em desenvolvimento na Amazônia como exemplos de potenciais fontes de frustração no fornecimento e de agravamento das transformações ambientais, uma vez que as obras devem “savanizar” grandes porções da floresta amazônica e tornar o Nordeste ainda mais árido.
Assim, para os especialistas, investir em usinas de biomassa à base do bagaço de cana de açúcar, instaladas em regiões estratégicas para a distribuição de energia e de baixo impacto no ambiente do entorno, é o caminho ideal para compensar as perdas das hidrelétricas e evitar consequências ainda mais severas do aquecimento global.
Independentemente do caminho escolhido pelas autoridades e investidores ativos no mercado de soluções energéticas, a atual crise no abastecimento não parece dispor de uma solução de curto prazo, além das medidas já tomadas pelo Governo Federal.
Cabe à população, e à indústria, arcar com o custo elevado para continuar a ter acesso a um recurso essencial à vida moderna e à atividade econômica, esperando que a estiagem se resolva apesar das projeções pouco otimistas, sem impactos ainda mais negativos para a retomada econômica e o desenvolvimento industrial.